Na verdade, um agravante a
mais na já tumultuada e polêmica temporada marcada pelos entraves logísticos
que dificultam como nunca o escoamento da safra brasileira de grãos. De um lado
a China, que cancela compras sob a alegação de demora na entrega. De outro o
governo federal, que na iminência de anunciar novas regras de tributação do
complexo soja provoca apreensão no mercado produtor, consumidor (esmagadoras) e
exportador.
São inúmeras as opiniões, mas é clara a estratégia
da China na pressão pela revisão dos contratos. E de preços, é óbvio. A China
precisa da soja brasileira e neste momento não tem outro fornecedor com o
produto disponível na escala do mercado brasileiro. Vai ampliar as compras da
Argentina? Até pode, mas vai ter tantos ou mais problemas do que no Brasil. O
país vizinho sofre com a quebra na produção e o atraso na colheita. Se está
difícil e demorado carregar no Brasil, soja em volume considerável na Argentina
só daqui a um mês, pelo menos. Não que isso justifique a ineficiência logística
por aqui, mas demora por demora, melhor se garantir com o Brasil.
Hoje a legislação favorece o embarque de soja em
grão. Amanhã, pode ser diferente. A questão é a que preço? Não tenho dúvida que
o caminho é agregar valor, exportar farelo e óleo, esmagar o grão na indústria
nacional e rentabilizar a cadeia. Contudo, é preciso ficar atento aos reflexos
que medidas como essa podem causar. Estamos falando na inversão de estratégia,
que implica em valores, mercado e parceiros. Podemos e devemos ampliar o
porcentual de transformação da produção primária antes de exportar. Mas teremos
clientes para os derivados, farelo e óleo?
Nos últimos 15 anos, via Lei Kandir, privilegiamos
a exportação de grãos em detrimento do produto de maior valor agregado. Na
temporada atual, o Brasil se consolida como o maior exportador mundial do
produto. Fomos nós que dissemos ao mundo que nosso interesse era vender soja
grão. E o mundo entendeu o recado. Mais que isso. Nosso principal comprador, a
China, se preparou para isso. Os chineses detém hoje um parque agroindustrial
invejável. No ano passado, a capacidade de esmagamento dos chineses
ultrapassava as 120 milhões de toneladas/ano. Uma capacidade, é bom que se
diga, que está ociosa. Ou seja, eles precisam de mais soja. E soja em grão.
Seja para atender a demanda de consumo da população ou para viabilizar essa
expressiva planta industrial.
Outra questão importante, que merece análise mais
criteriosa, é que não estamos falando de qualquer comprador. Aliás, esse é
outro problema. A alta dependência de um único cliente. Numa relação quase que
irresponsável, atualmente mais de 60% do volume exportado em grão pelo Brasil
tem como destino o país asiático. Na atual temporada, os portos brasileiros
devem mandar para a China perto de 38 milhões, mais da metade de toda a soja
que eles devem buscar no mercado internacional. Em 2013 os chineses devem
importar mais de 60 milhões de toneladas de soja. Eles estão processando para
abastecer o consumo doméstico e oferecer farelo e óleo a outros países que
poderiam estar comprando do Brasil.
Que nós precisamos mudar esse jogo, agregar valor
e equilibrar as exportações do produto primário com seus derivados, isso é
questão de ordem, de sustentabilidade e rentabilidade. Mas não será um jogo
fácil de virar. Se a China depende de nós, nós dependemos ainda mais da China,
infelizmente. A proposta do governo, da nova tributação, é uma demanda mais do
que legítima. Resta saber se ela realmente interessa ao setor produtivo.
Teoricamente não deve enfrentar nenhuma resistência. Afinal, quem é que não
quer vender e exportar com maior valor agregado. A questão está nas incertezas
que mudanças como essa podem trazer.
A China pode até especular com preço, cancelar
compras e rever contratos. Mas eles ainda precisam da produção de soja
brasileira e o Brasil precisa da China. E isso não vai mudar no curto prazo.
Isso é fundamento, oferta e demanda, de quem precisa comprar e de quem tem para
vender. Agora, assim como os chineses, talvez seja a hora de o Brasil começar a
se posicionar. A relação precisa ser boa para os dois lados, para quem compra e
para quem vende. A necessidade de quem vende é tão grande quanto de quem
compra. Se de um lado a variável é puramente econômica, do outro é ainda mais
delicada. É abastecimento e segurança alimentar. A questão então é se alguém
consultou a China e perguntou se ao invés de grãos eles querem comprar farelo e
óleo do Brasil?
Para constar, no ciclo atual o Brasil deve
exportar 58 milhões de toneladas de soja em grão, farelo ou óleo. Desse total,
quase 38 milhões de toneladas será de soja em grão, de uma produção total
estimada em 82 milhões de toneladas.
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